2016.05.27—2016.07.30
Amo-te na boca
Hugo Canoilas

Prefiro as máquinas que servem para não funcionar; quando cheias de areia, de formigas e musgo – elas podem um dia milagrar de flores.
(os objectos sem função têm muito apego pelo abandono.)


Manoel de Barros, Livro sobre Nada


   
Os objectos que Hugo Canoilas apresenta em Amo-te na boca afirmam uma negação de si mesmos enquanto objectos. Não unificam mas expandem, não se fecham em si mesmos mas abrem o seu sentido para abrigar um tempo e um espaço estranhos à materialidade que lhes dá corpo. Desobedecem convictamente aos ditames que regem a produção e disseminação de objectos sem, no entanto, deixarem de o ser. Há um valor poético que se extingue a partir do momento em que os objectos são integrados nas lógicas da economia política. A redenção da sua dimensão poética e, consequentemente, dos próprios objectos exige a anulação de certas características intrínsecas à sua materialidade.
   
A representação do mundo parece ser apenas possível onde se materializa para criar objectos cuja utilidade repousa no seu valor enquanto mercadoria de troca. Amo-te na boca subverte esse processo ao apresentar objectos híbridos que desvigoram as qualidades da matéria dura, aqui trespassada por elementos cuja materialização permanece bloqueada.
   
Apesar da sua opacidade plana, a chapa de alumínio funciona como um espelho invertido ou como uma janela através da qual podemos observar os materiais que repousam, se ligam e amontoam, numa paisagem por estes ferida. Os presumidos despojos, em contradição com o inocente bucolismo da paisagem, são a origem das obras que aqui vemos e que lhes devolvem um agora materializado, fechado e enquadrado em duas dimensões. Compreendemos que estamos perante o mesmo objecto - aquilo que jaz na paisagem e a chapa de alumínio - e que esse resgate nos dá os dois compassos necessários para iniciar o movimento.
   
As frases que lemos remetem-nos para o universo de uma desolação leviana, de um sarcasmo que parodia a sua própria ruína. Um sentido poético sobrevoa os objectos, captamos a ideia por trás da palavra para logo a deixar seguir. A sua imaterialidade permanece forasteira onde domina uma materialidade imperiosamente útil porque cambiável. A palavra sobrevive porque não tem um preço de mercado. A sua inscrição nos objectos agride-os mas absolve-os, tal como a presença dos objectos na paisagem se apresenta como um rasgão que os concilia com uma contradição demasiado remota. Tal como a paisagem, estes objectos tornaram-se intangíveis, porque só o intangível pode devir retrato.

 
Amo-te na boca, (Vista da instalação), 2016 
Amo-te na boca, (Vista da instalação), 2016 
Amo-te na boca, (Vista da instalação), 2016 
Amo-te na boca, (Vista da instalação), 2016 
Amo-te na boca, (Vista da instalação), 2016 
Amo-te na boca, (Vista da instalação), 2016 
Amo-te na boca, (Vista da instalação), 2016 
Amo-te na boca, (Vista da instalação), 2016