2019.09.07—2019.10.12
The Residents
Sophie Nys


Uma botoneira com catorze campainhas e um cesto de publicidade marcam a entrada da gruta. Dentro do cesto, está o livro The cunt colouring book de Tee Corinne, que foi editado pela primeira vez em 1975. Corinne recolheu desenhos  dos genitais femininos que eram utilizados em grupos de educação sexual, organizando-os num livro de colorir, para que os adultos pudessem aprender  sobre a sua anatomia sexual. No lado oposto da sala, encontram-se instaladas 14 imagens repetidas do buraco de uma campainha com fios descarnados. As primeiras afiliações são simples: entre gruta e buraco da campainha ou entre gruta e vagina.


Num jogo de diferença e repetição informado pela arte minimal e conceptual, pervertido pelo sentido de humor e por uma sobreposição de conteúdos que negam estes movimentos, a imagem repete-se, acompanhada pela evocação de 14 personagens que escaparam, se refugiaram ou viveram numa gruta. A mais fértil de todas estas figuras será Odisseus (ou Ulisses) que, na Odisseia de Homero, nos apresenta a figura de Ninguém, em torno da qual Sophie Nys desenvolveu a sua recente exposição no Kiosk, em Ghent. Ninguém seria o último a ser comido por Polifemo, o que acabou por lhe permitir a fuga, depois de embebedar e cegar o ciclope. O ciclope ferido gritava, pedindo auxílio aos outros ciclopes, respondendo-lhes que quem o ferira fora Ninguém.


Depois da grande peste do século XIV, Ninguém surge como figura imaginária que absorvia as culpas nos assuntos domésticos. Ninguém era geralmente retratado entre utensílios domésticos quebrados e com um cadeado que lhe mantinha os lábios cerrados. Não podia falar e, portanto, não se defendia quando era acusado de todos os incidentes da casa. Sempre que se perguntava quem queimara a sopa ou substituíra o vinho por água, a resposta seria, invariavelmente: Ninguém! A figura foi retratada pela primeira vez na Alemanha, num panfleto do início do século XV.


Ninguém
convoca a figura frágil, política, económica e socialmente oprimida pela sua condição de classe social e género. Aqueles que perdem as suas casas por causa do boom imobiliário, que perdem os seus empregos, etc. Ninguém pode ser também uma figura de resistência ao sistema vigente que codifica a diferença.


Mantida no escuro, a gruta recebe uma constelação de implicações políticas e sociais que lhe conferem parte das suas premissas originais. A gruta é o lugar onde novas formas de empatia e novas cosmogonias se podem desenvolver. Cabe ao visitante transportar mentalmente uma ou várias destas figuras para dentro da gruta. A conversa e notas seguintes ajudam a receber parte das forças presentes no trabalho de Nys que, através de ferramentas e gestos simples, pretende rever aspectos históricos e culturais.



Sophie Nys (Bélgica, 1974) reúne materias visuais e teóricos que examinam -  muitas vezes com ironia - temas de história e cultura social. Na sua prática, objetos e imagens são transformados e reposicionados com meios e gestos reduzidos. Ao fazer isso, a artista coloca questões sobre causa e efeito, transitoriedade e continuidade, abrindo novos espaços para reflexão, narração e resistência. A obra de Nys tem sido apresentada em exposições individuais no Bozar, Galerie Greta Meert e La Loge em Bruxelas, Kiosk em Ghent, Crac Alsace em Altkirch, Circuit em Lausanne, ProjecteSD em Barcelona e Guimarães em Viena.
E em exposições coletivas em Helmhaus, Archiv, Haus Konstruktiv e Kunsthalle em Zurique, Kunsthalle Wien em Viena, Salzburger Kunstverein em Salzburgo, Fundação Prada em Milão, Bienal de Veneza em Veneza, Artists Space New York em Nova Iorque, Maniera, Établissement d'en Face, e Wiels, em Bruxelas. Sophie Nys possui um mestrado em Belas Artes, realizou uma pós-graduação na Academia Jan van Eyck e é professora na LUCA School of Arts, em Bruxelas.

The Residents . Sophie Nys, . n' A Gruta. Quadrado Azul, Lisboa, 2019. Fotografia de João Ferro Martins. 
Sophie Nys, Publicidade, 2019. aço inoxidável, publicação. n' A Gruta. Quadrado Azul, Lisboa, 2019. Fotografia de João Ferro Martins. 
Sophie Nys, Publicidade, 2019. aço inoxidável, publicação. n' A Gruta. Quadrado Azul, Lisboa, 2019. Fotografia de João Ferro Martins. 
Sophie Nys, Ring my bell, 2019. aço inoxidável, borracha. 19 x 45 x 1,2 cm. n' A Gruta. Quadrado Azul, Lisboa, 2019. Fotografia de João Ferro Martins. 
Sophie Nys, Ring my bell, 2019. aço inoxidável, borracha. 19 x 45 x 1,2 cm. n' A Gruta. Quadrado Azul, Lisboa, 2019. Fotografia de João Ferro Martins. 
The Residents . Sophie Nys, . n' A Gruta. Quadrado Azul, Lisboa, 2019. Fotografia de João Ferro Martins. 
The Residents . Sophie Nys, . n' A Gruta. Quadrado Azul, Lisboa, 2019. Fotografia de João Ferro Martins. 
The Residents . Sophie Nys, . n' A Gruta. Quadrado Azul, Lisboa, 2019. Fotografia de João Ferro Martins. 
The Residents . Sophie Nys, . n' A Gruta. Quadrado Azul, Lisboa, 2019. Fotografia de João Ferro Martins.