RUPTURA
A obra de Zulmiro de Carvalho mostrada nesta exposição: Ruptura, 1968-2018, série de 10 elementos metálicos, foi projetada em 1968 e concluída muitos anos mais tarde.
Na arte portuguesa constatam-se com alguma frequência obras que permanecem durante longo tempo no seu estado de potência, sem materialização imediata, por falta de oportunidade ou de recursos. Armando Alves ou Ângelo de Sousa, para citar apenas dois casos, situam-se entre os artistas que retomaram projetos não concretizados no início das respetivas carreiras, criados na renovação conceptual, formal e material da década de 60. Movidos pela vontade de dar forma a ideias, a eles voltaram, em tempo de consolidação de percurso, como agora acontece com Zulmiro de Carvalho.
No clima experimental em que a obra foi concebida, corria a década em que o escultor começou a participar em exposições coletivas, mais concretamente em 1964, na 13ª Exposição Magna da Escola Superior de Belas-Artes do Porto, década que terminaria com a sua entrada como professor nesta Escola (em 1969) e com as suas primeiras exposições individuais, na Cooperativa Árvore, no Porto, e na Galeria Buchholz, em Lisboa (ambas em 1970). Entretanto, tivera lugar a estadia na Saint Martin's School of Art, em Londres, onde, como bolseiro da Fundação Calouste Gulbenkian, pôde contactar com Anthony Caro e Philip King.
Quando Ruptura foi projetada, o escultor realizou apenas três dos dez elementos que a compunham. Mostrada e premiada, em 1969, com a Medalha de Prata na Exposição que assinalou o Cinquentenário da Morte de Amadeo de Souza-Cardoso, acabou por integrar a coleção do Museu Municipal que tem o nome do pintor de Amarante. Deste modo, há uma primeira versão da obra, incompleta, no Museu, e uma segunda versão, completa, na posse do artista.
Vista agora, a mais de 50 anos da sua conceção, na estabilidade que evidencia, na presença austera do material, na introdução contida da cor e na leitura gradual a que convida, não se adivinhariam as vicissitudes da sua produção. Em contrapartida, percebemos, a esta distância, como a obra continha já as premissas que iam orientar a criação futura do artista: esquema serial, sentido sequencial, vocabulário minimalista e essencial, volumes límpidos e formas arquetipais. A inclusão da cor espelha bem o contexto epocal, na apropriação pictórica que se disseminava nesta disciplina artística. Mas o aspeto mais importante que se pode colher em Ruptura é o movimento linear que relaciona as dez peças verticais, gerando no seu topo uma forma que progressivamente se abre a partir do segundo elemento para se anular no último, permanecendo, na zona superior do paralelepípedo, o resíduo de cor. A escultura é investida pelo desenho e pelo movimento, pressentidos na união dos seus elementos, captados na deslocação que cada um de nós cumpre. Na obra pública de Zulmiro de Carvalho será comum a presença de frestas, linhas de luz a irromper por entre a matéria opaca da escultura. Neste trabalho é a cor (também luz) que se insinua. Só perante o desenvolvimento da sua obra se descobriria a dimensão performativa da sua receção e o valor deste desenho invisível que excede o formalismo minimal.
Laura Castro